“Só uma crise, real ou percebida, produz uma mudança real.” – Milton Friedman.
(Originalmente publicado em Inglês 22/6/15)
O ano de 2015 está sendo terrível para o Brasil: uma conjuntura econômica mundial desfavorável, uma série de políticas equivocadas do início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, e os escândalos que se seguiram à eleição de 2014 resultaram em uma enxurrada de manchetes, tanto no país como no estrangeiro, proclamando que o “Brasil enfrenta uma crise” ou está “à beira de um desastre”.
Porém, para os veteranos observadores do Brasil, este tipo de linguagem é sensacionalista e excessiva, principalmente se compararmos a situação brasileira com a da Grécia. Está prevista para 2015 a pior contração do PIB em 25 anos. Mas esta é uma estatística isolada que por si só não descreve a situação de forma completa. Será um ano ruim para os trabalhadores? Certamente. Será que veremos um retrocesso dos impressionantes ganhos conquistados pelo Brasil na luta contra a desigualdade e a fome? Sim, porém é provável que não será de forma significativa. O Brasil perderá o seu grau de investimento conseguido a duras penas? Talvez, dependendo a quem você pergunta. Mas as perguntas mais importantes são: o governo brasileiro terá que ir com o chapéu na mão pedir ajuda para o Fundo Monetário Internacional? Existe o risco de um calote da dívida pública? Não.
Em 1991 o Brasil era a nona maior economia do mundo. Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência, o Brasil havia caído para a décima-terceira posição, abaixo da Índia e do México. Atualmente o Brasil ocupa a sétima posição, tendo brevemente ocupado a sexta posição na época da crise financeira global, da qual foi um dos países menos afetados. Um dos fatores que isolou o Brasil daquela crise foi o fato de contar com uma regulamentação financeira protetora, que tinha inclusive sido criticada pela revista britânica The Economist – uma defensora da ortodoxia Friedmanita – em 2007.
Em 2012 um estudo do Federal Reserve examinou como as crises econômicas são frequentemente profecias autorrealizáveis, impulsionadas por um clima de incerteza, alimentado pela mídia.
Os rumos da economia são determinados por fatores tangíveis, e muitas vezes dolorosos: desemprego, taxa de juros, preço da moradia, inflação, produção industrial, a dívida pública. Porém, mais do que tudo, o mercado é psicologia, e uma atmosfera de medo e pânico entre os produtores e os consumidores leva a reduzir as compras, o que agrava ainda mais a crise.
A Grande Mentira
O Brasil Wire vem escrevendo extensivamente sobre o preconceito e a falta de pluralidade que permeiam a mídia brasileira. Este tema foi melhor analisado em um artigo intitulado Brazil, the country of 30 Berlusconis (Brasil, o país de 30 Berlusconis). A mídia brasileira, que faz esmagadora oposição ao Partido dos Trabalhadores, está entusiasmadamente alimentando a histérica linguagem da crise, e a mídia estrangeira está seguindo a mesma linha.
Ocasionalmente programas de televisão ao vivo oferecem uma grata surpresa. O ex-jornalista esportivo e apresentador de TV Faustão comanda um dos programas de auditório mais populares no Brasil, ocupando os domingos à tarde, um dos horários nobres da grade de programação da TV Globo. Em um programa no final de junho, depois de tecer um monólogo sobre como o Brasil é o país crise, do desemprego e da falta de esperança, Faustão perguntou a sua convidada, a renomada atriz Marieta Severo, o que ela pensava sobre o assunto. Rebatendo ao Faustão, assim como a visão pessimista de vários membros da audiência, Marieta respondeu que, na opinião dela, a inclusão social no Brasil está melhor do que nunca, e que a percepção da crise é algo subjetivo. Os sorridentes acenos de aprovação do normalmente rígido e robótico quadro de dançarinas do programa foram reveladores. Mais revelador ainda foi o fato de a atriz tornar-se alvo de ameaças, por ter ousado oferecer pontos de vista razoáveis em um programa de televisão.
Quebrar o país para quebrar o governo.
A atual situação que o Brasil está vivendo será familiar para os leitores do livro A Doutrina do Choque, da escritora Naomi Klein, publicado em 2007. Neste, a autora argumenta que políticos de direita, em conjunto com os seus aliados na mídia, têm frequentemente tentado fabricar crises, que seriam então usadas para promover os seus objetivos.
No livro, a autora cita o Chile, como exemplo. Mas o Brasil já passou pela mesma situação.
No período que antecedeu o golpe de 1964 – que foi encorajado e subsequentemente apoiado pelos Estados Unidos – houve numerosos exemplos de esforços deliberados das forças reacionárias, visando exarcebar o cenário político, com o intuito de oferecer um pretexto para as forças armadas intervirem, e “salvarem o país do caos.”
O auxílio prestado pelo governo americano a estes esforços de desestabilização não é uma fantasia paranoica – como muitos insistem em dizer – mas fatos evidenciados por documentos, depositados no Arquivo de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Este auxílio certamente não marcou o fim da ingerência nos assuntos internos do Brasil.
Dilma Rousseff não venceu a eleição presidencial por uma margem apertada, como a narrativa “zumbi” da mídia estrangeira descreve. Ela venceu por três milhões e meio de votos, uma variação de percentual comparável à vitória de Barack Obama sobre Mitt Romney. No entanto, é perpetuado o mito que Dilma é uma presidente sem legitimidade, e que a saída dela da presidência seria uma espécie de “vitória da democracia” para o Brasil. Houve também as previsíveis e infundandas alegações de fraude no sistema de votação eletrônica, e quando sua vitória foi anunciada, a reação foi a de que “os mercados não serão gentis com o Brasil amanhã”.
Não se está questionando a existência de corrupção institucional histórica, ou a autenticidade da indignação com a escala e o tamanho das operações e dos cartéis. Mas a principal questão é, de que forma a paralisação do país, exacerbando um processo de desaceleração econômica, desestimulando o investimento estrangeiro direto, derrubando setores da economia, como a construção civil e a energia, causando uma onda de desemprego, serve o interesse nacional, e não o de determinados grupos políticos?
Sérgio Moro, o juiz que comanda a Operação Lava Jato, concentrou-se principalmente nos processos contra o PT, apesar de existir um número maior de indiciados em outros partidos. Quanto mais Moro persistir em uma investigação seletiva e estratégica, mais suas ações se assemelham a um esforço deliberado para asfixiar o governo e a economia.
Há tentativas em andamento em retratar a Petrobras, atualmente mantendo níveis recordes de produção, como completamente sucateada, sendo a sua privatização a única solução. Enquanto isso, Moro é retratado como uma espécie de salvador da empresa e do país, a salvação da histeria que os mesmos meios de comunicação têm fomentado ao longo dos últimos anos.
Querem nos convencer de que o que está em andamento não é uma campanha contra o país, mas sim que “as instituições brasileiras estão finalmente funcionando”. A advogada do Grupo Odebrecht, Dora Cavalcanti, criticou publicamente as irregularidades na forma como o caso está sendo tratado. Além disso, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos também está auxiliando nas investigações da Operação Lava Jato, ocasionando preocupações em relação à soberania nacional.
A inspiração para a Operação Lava-Jato veio da Operação Mãos Limpas na Itália, porem não começou ou terminou bem.
O principal temor é que os ganhos sociais conquistados pelas gerações anteriores sejam revertidos, caso uma mudança no quadro político, causado pela doutrina do choque, venha a acontecer. Podemos ter um vislumbre deste cenário nas manobras efetuadas no Congresso pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha. Cunha, que faz parte da bancada evangélica, e conta com um longo histórico de acusações de corrupção, vem usando, de forma oportunística, a fraqueza do Executivo para forçar a tramitação e aprovação de uma longa lista de projetos defendidos por conservadores, como a redução da idade penal, a legalização do financiamento privado de campanhas eleitorais, e a terceirização da mão de obra, e, finalmente – confrontado com a sua própria demissão – aceitou um processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
Para a esquerda, a aprovação desta pauta conservadora significa um retrocesso para o país.
O principal partido de oposição no Brasil, o PSDB, adotou um jogo de espera, sem oferecer uma visão própria para o país, ou apresentar propostas de melhorias, enfim, sem responder aos anseios do povo brasileiro, que está, justificadamente, procurando por soluções. Eventualmente, o PSDB chegaram a apoio aberto de impeachment.
Por outro lado, é inegável que o PT encontra-se desgastado. Desde a eleição, as lideranças partidárias estão embrulhadas em um interminável debate sobre o que o partido deve fazer para recupear a sua relevância perante a classe trabalhadora, a classe média e os movimentos sociais de base.
Uma hipótese é que, caso a previsão da maioria dos economistas se concretize, e o Brasil retorne a uma perspectiva econômica mais positiva em 2016 e 2017, fechar-se-ia a janela de oportunidade para a instauração do desastroso golpe midiático, judicial e parlamentar visando remover a Presidente Dilma e o PT do governo. Mas não será assim tão fácil. A direita brasileira, que atravessa linhas partidárias, abrangendo partidos como o DEM, PP, PSDB e PMDB, não quer apenas arrancar Dilma da presidência, mas sim promover a extinção absoluta do PT como uma força política.
Êxodo
O êxodo de seus jovens e da sua riqueza não é algo novo para o Brasil. Desde o retorno à democracia direta em 1989, em vários momentos, como nos anos de 1994, 1999 e 2001, o país testemunhou uma “fuga de cérebros” para o hemisfério norte, à procura de segurança econômica, e fugindo da crise da inflação. Um retorno da inflação galopante e imprevisível ainda é o principal medo dos que contam com idade suficiente para lembrar-se da década de 90.
É uma situação no mínimo estranha quando um jovem instruído da classe média sonha em deixar o país depois de um período de otimismo, quando a única coisa que efetivamente mudou foi o retorno do velho medo da insegurança econômica. Mas até que ponto este medo é racional? Até que ponto ele é impulsionado pela mídia? A crise não é econômica. Ela é mais que tudo institucional e política.
Devemos questionar a ética por trás da propagação de imagens enganosas de um Estado em colapso. Qual o efeito psicológico que isto causa à população?
Não se deve subestimar o efeito psicológico da mídia estrangeira – instantaneamente divulgada, nos dias de hoje, pelas redes sociais, e absorvida pela classe média alta que domina o inglês – na autoestima das pessoas. A expressão complexo de vira-lata pode ter sido usada em excesso, mas o viralatismo retrata um fenômeno real e generalizado. Agências de marketing até mesmo identificam este complexo como uma característica chave para os consumidores de seus produtos, principalmente as marcas estrangeiras .
Quando o Brasil foi escolhido para sediar dois megaeventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, criou-se uma atmosfera de “o país do futuro” finalmente havia chegado lá. Por outro lado, estes eventos suscitaram questionamentos de natureza ética e econômica, fartamente documentadas. Eles também serviram de plataforma para a mídia estrangeira alimentar o sensacionalismo, apresentando um cenário caótico para um público acostumado a uma cobertura que reafirma a sua superioridade “pós-colonial”. Independentemente do enquadramente sócio-político, a abordagem é familiar – estereótipos regionais de pobreza, crime, violência, corrupção, com uma pitada ocasional de beleza ingênua.
Há três principais focos de propaganda anti-brasileira que permeiam a cobertura sobre o Brasil efetuada pela mídia anglófona (e em certa medida pela mídia europeia). Um deles é a abordagem da temática do meio-ambiente, que insiste que o Brasil não pode buscar o seu desenvolvimento, um clichê que vem sendo repetido por décadas. O outro foco é a economia do país, rotulada como “fechada”, (incluindo a empresa pública Petrobrás). O outro é um retrato do Brasil contemporâneo como “um estado falido”.
Um exemplo da narrativa editorial que retrata o Brasil como um “estado falido” pode ser observado na maneira como a escassez de água em São Paulo foi noticiada, especialmente em comparação com a cobertura sobre a seca na Califórnia, bem mais grave. Chuvas continuadas de novembro até abril, em alguns meses registrando recordes de precipitação, foram ignoradas. Também foi ignorado o detalhe crucial que apenas 5% da água é direcionada aos consumidores domésticos, enquanto que 40% da mesma é consumida pela indústria de etanol paulista. Estas informações importantes foram omitidas, e a explicação oferecida foi que os brasileiros “tomam muito banho”.
Os projetos e soluções para aliviar a seca foram consideradas de “pouco interesse” para os leitores. Bem mais atraente foi a possibilidade de um iminente colapso social, semelhante ao retratado no filme Mad Max. O jornal britânico The Guardian publicou, em uma coluna patrocinada pela E&Y, um artigo bizarro, que aparentemente sugeria que Wall Street desinvestisse no Brasil, com base na análise recheada de equívocos do autor sobre a falta de água (o fato que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi listada na bolsa de Nova Iorque durante mais de uma década, e que uma subsequente queda no investimento levou à escassez de água não foi mencionado.)
Em fevereiro de 2015, Ian Bremmer, do Eurasia Group, publicou uma calamitosa coluna sobre o Brasil na revista americana Time, divulgada tanto pela mídia tradicional brasileira, como pelas redes sociais. A coluna, que antecedeu os protestos antigovernamentais de direita, foi usada como evidência – apresentada por uma respeitada publicação estrangeira – de que o país estava em ruínas. Não satisfeito, Bremmer inseriu um ridículo blog astroturf que chamou Brasil um “Estado falido” em apoio as suas próprias reivindicações, uma espécie de endosso que o autor da coluna se valeu para reforçar a sua legitimidade.
*Astroturf: [literalmente, grama sintética] Termo utilizado para designar ações políticas ou publicitárias que buscam criar a impressão de que são movimentos espontâneos e populares.
Junho de 2013
Mais além da desaceleração econômica, a atual crise efetivamente começou em junho de 2013, quando a presidente Dilma, que então desfrutava um nível de aprovação de 79%, tornou-se o alvo inesperado de uma insatisfação popular que, ainda que desencadeada pela truculência da Polícia Militar de São Paulo (que era, e ainda é, controlada pelo PSDB), trouxe cerca de um milhão de manifestantes às ruas.
Após o protesto, em que uma jornalista quase perdeu um olho depois de ter sido atingida por uma bala de borracha, houve uma enorme manifestação em São Paulo, que, porém, ainda não era, ostensivamente, anti-Dilma ou anti-PT. O mote do protesto era, mais que tudo, uma dessatisfação geral com o sistema político e os serviços públicos. No entanto, nesta noite memorável, o canal de TV Globo News optou por mostrar, de forma contínua, a transmissão de algumas poucas milhares de pessoas que subiram no telhado do Congresso em Brasília. O subtexto almejado era claro.
Atacado pela esquerda e pela direita, o PT pareceu perder, naquele momento, o controle do pacto social que o manteve no poder por três mandatos presidenciais.
O resultado final foi um PT diminuído, uma eleição presidencial mais acirrada do que se previa um ano antes, o Congresso mais conservador e retrógrado desde 1968, e um golpe midiático, judicial e parlamentar, que está paralisando o país. Essas eram as últimas coisas que os manifestantes originais almejavam ou esperavam.
Foi revelado, recentemente, que grupos de direita, abertamente anti-governo, como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL), formados em junho de 2013, na esteira dos protestos, justamente quando os manifestantes originais voltavam para casa, foram criados com o apoio e o financiamento de ONGs e instituiçõe de ensino estrangeiras. Estes movimentos continuam suas campanhas, financiadas por bilionárias fortunas americanas, tentando mudar a opinião da juventude brasileira para que estes apoiem a privatização da saúde pública e da educação, o abandono dos programas de bem-estar social, o relaxamento da regulamentação financeira, e assim por diante. Representates do MBL visitaram recentemente o presidente da Câmara Eduardo Cunha, em Brasília, para apresentar um (ilegítimo) pedido de impeachment contra a Presidente Dilma.
Em retrospectiva, fica evidente que a esquerda brasileira, em junho de 2013, foi efetivamente manipulada a entregar o que a direita queria: a presidente Dilma e o PT enfraquecidos.
Um golpe bem brasileiro
Para um observador externo, este é um golpe muito vasto e complicado, tanto de se ver como de se entender. Um artigo na Folha de São Paulo denominou-o de “tomada de poder”. Outros o chamam de uma “situação caótica”.
Mas podemos usar a palavra golpe? Sim, podemos. O conceito de golpe, nos dias de hoje, não está mais limitado à presença de tanques militares nas ruas.
Em meio ao silêncio da mídia estrangeira, movimentos sociais e partidos da base governista fizeram declarações contrárias ao golpe. Se este fato não for suficiente para provocar uma preocupação por parte da comunidade internacional, então o que será?
Dilma Rousseff foi detida e torturada por três anos, durante a ditadura militar. Ditadura esta, vale lembrar, que foi ativamente auxiliada e apoiada pelos Estados Unidos, principalmente na era Kissinger. O legado de poder dos anos da ditadura continua vivo de várias formas, e em particular no Senado.
Recentemente, a América Latina vem sofrendo tentativas, todas amplamente documentadas, algumas bem sucedidas, para derrubar os governos do Paraguai, Equador, Bolívia e, é claro, na Venezuela. Para este fim, está sendo usada uma combinação de distorção da mídia, protestos alimentados pelas redes sociais, e manobras judiciais e parlamentares. Em relação ao Paraguai, vieram a público documentos vazados pelo Wikileaks, de comunicações enviadas ao Departamento de Estado americano, que demonstram o conhecimento, e sugerem a conivência dos EUA no processo de impeacmhent do Fernando Lugo, iniciado no momento em que este foi eleito. Uma especulação é que o golpe estaria relacionado com interesses petrolíferos no Paraguai, enquanto que outras motivações sugeridas incluem a possibilidade de permitir um veto do Paraguai à adesão plena da Venezuela ao Mercosul. Porém, o Paraguai foi suspenso do Mercosul, o que o impediu de exercer este veto.
O método de operação é similar em toda a América Latina. Mas o Brasil é vasto e complexo, e qualquer tentativa de desestabilização, seja iniciada pelas elites locais, ou por interesses estrangeiros, ou uma combinação de ambos, como é frequentemente o caso, teria que ser conduzida em múltiplas frentes, sem nenhuma garantia de sucesso.
Alguns argumentam, erroneamente, que houve uma tentativa falida de golpe em 2013. Mas os esforços daqueles que tentam manipular a situação para este fim não terminaram. A estratégia da “guerra de quarta geração” empregada em outras nações da América do Sul, como a Bolívia, inclui um jogo extenso de tentar destruir bases sociais e movimentos que podem apoiar partidos contrários aos interesses dos EUA. O índice de popularidade de Dilma, que em maio 2013 estava em 79%, um índice recorde, agora está em 10%. Mas mesmo este número drasticamente baixo precisa ser analisado. Uma parte substancial da insatisfação contra Dilma é uma consequência da sua aparente inabilidade de gerenciar as forças de direita que agora tentam arrancá-la do poder.
Como temos observado, as principais preocupações dos eleitores brasileiros são: nível de emprego, renda e inflação. 2015 está sendo um ano péssimo para todos estes fatores, o que afeta negativamente qualquer índice de popularidade.
O ex-líder do PSB, Roberto Amaral, comentou em março que um golpe de estado já havia acontecido – no momento em que o Deputado Eduardo Cunha assumiu a presidência na Câmara dos Deputados. Amaral defende que o Brasil está sendo efetivamente controlado por Cunha, Sérgio Moro (juiz responsável pelas investigações na Lava Jato), o presidente do Senado, Renan Calheiros, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e a TV Globo. Um dos apresentadores da TV Globo, William Waack, foi citado em comunicações do Departamento de Estado Americano como um possível informante do governo americano.
O principal partido de oposição no Brasil, PSDB, afirmou publicamente que eles estão prontos a ocupar o espaço caso ocorra um vácuo de poder. Um avanço do PSDB seria o resultado mais provável, caso haja um colapso do PT, principalmente porque o PSDB é o partido favorecido pela mídia nacional, pelos EUA e seus aliados. Evidentemente, não se tentará derrubar o governo de um país sul-americano, eleito democraticamente, principalmente de um país com a magnitude do Brasil, sem um entendimento tácito de que os EUA vão reconhecer o governo sucessor.
Documentos ainda classificados como sigilosos revelam um esquema dos EUA de prestar assistência visando alcançar um resultado eleitoral que favorecesse os interesses americanos em 1998. Vazamentos recentes da Wikileaks revelam que a National Security Agency (NSA) está monitorando autoridades importantes, responsáveis por assuntos relacionados à economia brasileira.
Liliana Ayelde foi nomeada embaixadora dos EUA no Brasil, apesar de ter sido expulsa da Bolívia sob alegações de ter se envolvido em tentativas de desestabilizar o governo daquele país, e de ser a embaixadora do Paraguai na época do golpe contra o Fernando Lugo.
Atualmente, o Senador José Serra (PSDB/SP), que há muito vem negociando nos bastidores com companhias petrolíferas estrangeiras e o Departamento de Estado Americano a abertura dos campos petrolíferos do pré-sal, controlados pela Petrobras, tenta emplacar, no Senado, projeto de lei visando tal fim.
As preocupações dos EUA com o Brasil são bem documentadas: o “nacionalimo de recursos”, a disposição em entrar em novos tratados comerciais, o surgimento do BRICs acompanhado do seu banco de desenvolvimento, que rivaliza com o Banco Mundial e o FMI, e a consolidação da integração regional com o Mercosul. Estas informações, porém, apesar de publicamente disponíveis, estão sujeitas à autocensura e ao editorialismo da mídia corporativista. Isto sem falar nas atividades de organizações americanas, como a Associação de Imprensa Inter-Americana (IAPA).
Por ocasião da recente visita da presidente Dilma aos Estados Unidos, o Brasil Wire apresentou uma série de temas espinhosos que devem ser resolvidos, para que as duas nações possam estabelecer uma parceria genuína e amigável, de igual para igual. Enquanto isso, a revista Foreign Policy, que pertence ao jornal Washington Post, publicou um artigo que tentava colocar a derrocada da Presidente Dilma como inevitável (um artigo anterior, assim como dois outros artigos publicados na época da eleição da Dilma em 2010 já seguiam essa linha). Outros artigos similares vieram da agência de notícias da Reuters, cujo correspondente (e Fernando Henrique Cardoso ghost writer) recentemente deixou o Brasil depois do escândalo do “#PodemosTirarSeAcharMelhor”, que sugere um viés pró-oposição. A agência de notícias financeira Bloomberg também se uniu a este coro de inevitabilidade.
Definindo a crise
Analisando além dos dados econômicos brutos, o Brasil tem sido muito bem sucedido, ao longo dos últimos 12 anos, na geração das estatísticas que realmente importam, ou seja, aquelas que afetam o dia a dia das pessoas. Comentaristas da mídia financeira anglo-saxão frequentemente acusam o governo do PT de “desperdiçar o boom das commodities”, mas a realidade é que o governo brasileiro aproveitou o clima econômico global favorável para realizar prioridades importantes, como por exemplo o pagamento da dívida externa, a erradicação da fome, a implantação de um programa básico de bem-estar social e a realização de investimentos massivos nas áreas da educação e da saúde. Em 2005, o Brasil anunciou ao FMI que o país não mais necessitava recorrer à ajuda do fundo. Desde então, o país acumulou uma das maiores reservas cambiais do mundo – US$ 375bn, um valor dez vezes maior do que a década anterior, e destaca-se como o terceiro maior credor da dívida externa dos Estados Unidos, em um valor de US$ 320bn.
O Brasil é um país de grandes dimensões, e enquanto o PIB de estados tradicionalmente ricos, como São Paulo, perderam participação no PIB nacional, a vasta região norte do país aumentou sua participação na economia, apresentando um crescimento de até 8%. E o que é mais importante, a distribuição demográfica do crescimento alcançou níveis comparáveis aos chineses de crescimento para a camada mais pobre da população, enquanto a camada mais afluente exibe níveis de crescimento comparáveis ao alemão. O Brasil é um caso único, entre as principais economias de mercado emergentes, de um país que conseguiu aliar o crescimento com redução da desigualdade. Até agora, existem poucos motivos para indicar que uma desaceleração cíclica irá reverter esta tendência, porém o Brasil precisa tomar cuidado com o risco de estagnação. Torna-se vital uma reconstrução da confiança na economia, o mais rápido possível.
O acadêmico brasileiro radicado nos Estados Unidos Fernando Lara, em um artigo publicado pelo Brasil Wire, analisou as trajetórias opostas da desigualdade de renda entre o Brasil e os Estados Unidos, medidos pelo coeficiente de Gini. Certamente um artigo provocante para aqueles que insistem em ignorar o fracasso da economia neoliberal para suprir as necessidades da maioria da população.
O Brasil já conheceu tempos piores, e conhecerá tempos melhores.